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Como o trauma na infância persiste ao longo da vida adulta

O trauma na infância é capaz de moldar o nosso cérebro. Saiba quais são as causas e consequências disso e como superá-las.

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Centenas de crianças em estado de apatia física, mental e emocional, como se estivesse hibernando. O inverno que elas estão esperando passar, porém, não é a estação mais fria do ano, mas o período de violência, perseguição e incertezas que lhes causou um trauma logo na infância.

Esta é a realidade revelada pelo documentário A Vida Em Mim, disponível na Netflix. A princípio, as autoridades suecas duvidaram da condição dessas crianças, chegando até a alegar que seus pais a estavam envenenando. O número de casos, contudo, não parava de crescer.

Em 2005, a doença foi enfim registrada como Síndrome da Resignação. A comunidade científica ainda não tem explicações suficientes para encontrar uma cura ou para esclarecer porquê 90% dos casos concentram-se na Suécia.

Há, porém, um denominador comum entre todos: as crianças pertencem a famílias refugiadas, que foram acolhidas pela política de asilo. Assim, especialistas indicam ser o trauma na infância que está por trás dessa “fuga da realidade”, onde elas aguardam pela melhora do contexto em que vivem.

O que será de suas vidas quando acordarem? Ainda não podemos dizer. O que sabemos por certo é que qualquer trauma na infância traz prejuízos à pessoa ao longo de toda a sua vida, inclusive, quando adultos. Entenda como isso acontece a seguir.

O que pode ser um trauma na infância?

O termo trauma é definido como uma lesão gerada a partir de uma ação violenta externa à vítima. Tal ação pode ser de origem física, química ou moral, quando nos referimos à violência psicológica.

Isto é, um trauma na infância pode ter inúmeras causas. No entanto, existem aqueles que são mais comuns, entre os quais estão os acidentes, como batidas de carro e quedas e intimidação constante, como o bullying.

Entram também nessa lista conflitos que envolvem entes queridos, os desastres naturais, as guerras, agressões de toda espécie, negligência e o abuso sexual. Contra este último, a melhor arma é a educação sexual. Você pode saber mais sobre esse assunto AQUI!

Os efeitos do trauma no cérebro da criança

Após décadas de estudos, cientistas descobriram que o trauma na infância, a partir dos seis meses de vida, prejudica a formação de conexões neurais no cérebro da criança. Isso porque a exposição ao conflito pode causar a aceleração dos batimentos cardíacos e níveis mais altos de estresse.

A violência externa também persiste como dano emocional ao gerar um padrão de resposta disfuncional a situações difíceis. Tal mecanismo acontece por associação e é muito abordado por psicólogos como crenças negativas e limitantes.

Visto que quando na infância não somos capazes de discernir bom e ruim, tudo que nos acontece é guardado na memória sem um devido juízo de valor. Ou seja, uma situação de abuso pode ser tida como cuidado, caso a criança seja convencida disso.

Outro estudo, publicado no The Lancet Psychiatry, também sustenta essa correlação danosa à saúde mental. Segundo seus autores, experiências traumáticas podem alterar a estrutura do cérebro, aumentando as chances de, quando adulta, a pessoa desenvolver depressão.

Sabe por quê? Em geral, o trauma na infância causado por abusos físicos ou morais afeta o desenvolvimento do córtex insular, que é o órgão responsável por regular as emoções.

Foi isso que descobriram pesquisadores da Universidade de Münster, na Alemanha, depois de acompanharem um grupo de depressivos com idades entre 18 e 60 anos. No fim das contas, 75% dos pacientes com ínsula menor tiveram uma recaída, embora estivessem sob tratamento constante.

Consequências para a vida inteira

Pessoas traumatizadas podem ter uma série de dificuldades para se relacionar e conviver em sociedade quando adultas. Por exemplo, o trauma na infância, causado pelo “tratamento de silêncio” – um tipo de negligência parental – está por trás de quadros de ansiedade.

Mais tarde, essa ansiedade crônica pode ser a causa da procrastinação no trabalho e possível demissão consequentemente. Assim como, de rompimentos tanto pela falta de diálogo quanto pela necessidade de confirmação constante em relacionamentos amorosos.

Aquele ditado que diz “o que não te mata te faz mais forte” é uma grande mentira nesse sentido. O que o trauma na infância de fato faz com a pessoa ao longo do tempo quando a violência sofrida não tira sua vida é:

  • Torná-la insegura e/ou agressiva;
  • Diminuir sua autoestima;
  • Levá-la ao autoisolamento e à inibição;
  • Causar o repúdio ou a dificuldade a receber elogios;
  • Deixá-las reativas e/ou depressivas;
  • Desencadear a Síndrome do Impostor.

Superando traumas de infância  

A primeira coisa a ser feita, uma vez que um comportamento disfuncional é reconhecido, é procurar a ajuda profissional de um psicólogo e de um psiquiatra. Afinal, o mau funcionamento do cérebro pode estar ligado à sua incapacidade de produzir substâncias como a serotonina adequadamente.

O afastamento da fonte de trauma, quando possível, também é ideal para que a violência seja cessada. Somente dessa forma novos traumatismos e suas respectivas consequências podem ser evitados. Lembrando que, tal fonte pode ser um lugar, um evento, um objeto ou outra pessoa.

Do mesmo modo, aproximar-se de tudo que eleva sua autoestima e melhora seu bem-estar é benefício contra os sintomas do trauma. Recorra à sua rede de apoio e realize atividades que fazem você mais feliz diariamente.

[EXTRA] Como evitar que uma criança seja traumatizada

Tão importante quanto superar os próprios traumas que lhe foram causados na infância é quebrar o ciclo. O comportamento disfuncional de um adulto traumatizado pode fazer com que ele reproduza o que foi feito a ele em outras crianças.

Logo, responsabilizando-se pelo que está sob seu controle, você pode fazer escolhas melhores como, por exemplo, aderir à educação afetiva. Esta é uma proposta muito divulgada por terapeutas e mães que buscam educar seus filhos apenas com palavras de incentivo e sem abuso moral ou físico.

Infelizmente, vivemos em uma sociedade que normalizou a violência contra a criança. Agredir e humilhar qualquer pessoa são atitudes tidas como erradas, mas quando um pai faz isso com o filho, em geral, a sociedade fecha os olhos.

Nem tudo está sob nosso controle, mas há muito que os adultos ao redor de uma criança podem fazer para que ela cresça melhor do que eles próprios. A violência contra a criança é mais naturalizada do que a violência contra a mulher. No caso da criança, ela ainda é abertamente defendida.

Não precisa ser nenhum gênio para saber que o amor e atenção fazem bem ao desenvolvimento de qualquer ser humano. Mesmo assim, especialistas já manifestaram por vezes que lares carinhosos criam adultos mais equilibrados, emocionalmente independentes e bem-sucedidos.

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