Graduação

O efeito da atuação em tragédias na saúde mental dos médicos e como enfrentar

Garantir a saúde mental dos médicos e demais profissionais da saúde faz parte do enfrentamento à catástrofe tanto quanto cuidar dos pacientes.

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É unânime a opinião dos psiquiatras sobre o fato de que tragédias ambientais, como as enchentes do Rio Grande do Sul, afetam a saúde mental das pessoas. Isso tanto para as vítimas que perdem entes queridos e bens materiais no desastre quanto para os profissionais que atuam na linha de frente.

Ser um integrante do sistema de saúde não inibe ninguém de sofrer com os efeitos que elencamos a seguir. E, como estudante de Medicina, é importante que você saiba quais são eles para estar preparado para enfrentá-los em sua jornada profissional.

1. Sentimento de impotência

O início de uma tragédia ambiental é consideravelmente mais estressante para quem está na linha de frente. Isso porque não é possível prestar atendimento para 100% dos sobreviventes, o que gera uma sensação de impotência muito grande.

Os primeiros socorros são prestados de acordo com o protocolo START - um processo de triagem para rápida classificação em Incidentes com Múltiplas Vítimas. Mas gravidade não significa importância quando o assunto é saúde, e é natural que os médicos queiram ajudar a todos.

Pela regra, as lesões que trazem maior risco à vida dos pacientes são priorizadas. Depois, à medida que a situação vai melhorando, os demais pacientes, incluindo aqueles com leves escoriações, também são atendidos até que estejam bem para irem embora.

Só que, em contextos de completa destruição, como o que encontramos no Rio Grande do Sul hoje, muitas vítimas não têm para onde ir após receberem alta. Assim, o sentimento de insuficiência aplaca novamente por não ser possível fazer mais por essas pessoas que já perderam tanto.

Esse sentimento, que é fruto da empatia, traz consigo a culpa – uma emoção secundária que nasce da tristeza. Carregá-la consigo sobrecarrega o emocional já fragilizado dos profissionais, podendo causar insônia e ansiedade.

2. Exaustão

A situação traumática tem como efeito imediato a confusão mental pela desordem deixada, o que desencadeia a sensação de angústia e, em seguida, o espírito solidário para amenizar o acontecido. Só que essa dedicação ininterrupta pode levar os profissionais da saúde ao limite.

Primeiramente, vem a exaustão mental, causada pelos abalos emocionais de possíveis perdas pessoais e do ato de presenciar tamanho sofrimento por longos dias. O físico ainda funciona por um tempo no modo automático, mas logo a exaustão do corpo também cobra seu preço.

No fim das contas, uma intensifica a outra, podendo a estafa mental provocar inclusive casos de gastrite, queda de imunidade e quadros de insônia. À medida que o desastre vai ficando para trás e a rotina não volta ao normal, acontece outra sobrecarga sobre o corpo e a mente.

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3. Luto e isolamento

À exceção dos quase três mil voluntários vindos de outros estados e que talvez não tenham familiares e amigos no Rio Grande do Sul, muitos médicos estão trabalhando enquanto enfrentam o próprio luto. Seja por entes queridos ou por bens materiais, a perda gera diversas reações emocionais.

Tristeza, ansiedade, culpa e raiva são as principais emoções que vão acompanhar esses profissionais durante essa fase. O prazo considerado “normal” clinicamente para a experiência do luto é de, no máximo, dois meses.

Outro sintoma comum faz com que os sobreviventes evitem convívio social, especialmente com outras vítimas, para não ficar relembrando o acontecimento. Também é normal apresentar alterações do sono e dificuldade de concentração.

Depois de dois meses, passa-se a considerar o comportamento da pessoa como um sintoma de risco para o transtorno depressivo associado. Esse quadro também traz preocupações em relação à saúde física, visto que podem ser desencadeadas doenças cardiovasculares.

No corpo sob estresse pós-traumático podem surgir alterações físicas como sudorese, palpitação e fraqueza. Não é uma regra para essas respostas, mas o processo de luto é inevitável para qualquer um que passou pelo trauma do desastre ambiental.

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4. Más perspectivas para o futuro

Segundo especialistas, as vítimas, incluindo os médicos na linha de frente, tendem a perder mais de sua saúde mental com o dano ecológico causado pela tragédia. Além da mudança climática premente, houve perda de vegetação e a morte de animais devido às enchentes.

Trata-se de um evento com repercussão grande e de longa duração, pois a recuperação do meio ambiente é mais lenta do que a reconstrução de uma cidade. Sem falar que não é possível prever como ela acontecerá – se será homogênea ou se houve perdas irrecuperáveis.

Estima-se que, em um evento dessa proporção, a população demore de cinco a dez anos para alcançar um nível mínimo de estabilidade no que tange à saúde mental. É preciso estar de olho no avanço de quadros depressivos, ansiosos e de transtornos psicóticos.

A dependência química em médicos, em especial entre anestesistas, é uma preocupação também por terem fácil acesso a substâncias psicoativas. O abuso de fármacos acontece para anular sentimentos negativos, como tristeza e culpa, porém, o efeito é passageiro.

Como se fortalecer para enfrentar tudo isso

O primeiro passo é reconhecer o seu limite para não ultrapassá-lo, evitando o item 2 da nossa lista: a exaustão. Sabe a regra da aviação civil de colocar primeiro a máscara em si mesmo antes de ajudar o passageiro ao lado? Pois é, ela serve para a vida também.

Uma pessoa doente não consegue cuidar de outras. Portanto, priorize a sua saúde física e mental para minimizar, inclusive, o item 1: sentir-se impotente.

Por falar nele e sobre limites, lembre-se de que você é apenas um ser humano sem nenhum superpoder. Quando sentir a autocobrança batendo, lembre-se também de se valorizar e comemorar pelo que conseguiu fazer pelo menos na mesma medida.

Em relação ao item 3, o processo de luto envolve:

  • Liberar-se da relação com a pessoa perdida;
  • Adaptar-se ao mundo em outras condições;
  • Esforçar-se para estabelecer novas relações.

Busque seguir o seu caminho, que será único, sempre com essas três metas em mente. Caso sinta que não alcançou nenhuma delas em dois meses, busque auxílio profissional com um psicólogo e um psiquiatra, de preferência.

Por fim, vários especialistas têm falado sobre como lidar com a ecoansiedade. É recomendado, principalmente, filtrar a quantidade de informação consumida sobre questões ambientais para não se expor a uma carga excessiva de negatividade e evitar cair em fake news.

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