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Orgulho: como ser um profissional aliado da causa LGBTQIAPN+

Quer ajudar os seus colegas a ter liberdade para ser quem são como você? Então, leia este artigo sobre como ser um profissional aliado da causa LGBTQIA+.

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Em tese, o mercado de trabalho é aberto para que todos os cidadãos tenham a oportunidade de conquistar a sua independência financeira. No entanto, às pessoas que pertencem à comunidade LGBTQIAPN+, o preconceito sofrido tanto pela família quanto pela sociedade surge como um obstáculo por vezes instransponível, colocando muitos em situação de vulnerabilidade social.

Pesquisas recentes do projeto Demitindo Preconceitos e da empresa de consultoria SafeSpace junto à Mindminers revelaram alguns números preocupantes:

  • 38% das indústrias e empresas no Brasil tem restrições para contratar pessoas LGBTQIAPN+;
  • 55% dos entrevistados disse já ter sofrido discriminação no trabalho por sua orientação sexual ou identidade de gênero;
  • 67% escondeu o fato de ser LGBTQIAPN+ por medo;
  • E 64% relatou já ter testemunhado uma situação de violência.

Neste cenário, não há outra saída para a mudança senão com a ajuda de quem não pertence à comunidade LGBTQIAPN+, mas que respeita seus direitos e os defende como iguais. Quer ajudar os seus colegas de trabalho a ter liberdade para ser quem são como você? Então, leia com atenção o que escrevemos sobre como ser um aliado nas próximas linhas.

Conheça a história da comunidade LGBTQIAPN+

Eliminar o preconceito em si mesmo requer proatividade. Afinal, a maior parte das sociedades ocidentais, incluindo a brasileira, foi construída a partir de uma cultura heterocisnormativa. Se você não sabe o que isso significa, calma, que já vamos explicar.

De acordo com o dicionário Michaelis, a palavra ‘normativo’ significa “Que serve de norma ao se estabelecer um padrão a ser seguido”. Ao colocar os prefixos ‘hétero’ e ‘cis’, entende-se que o termo refere-se à ideia de que: sentir atração afetiva e/ou sexual apenas pelo sexo oposto e identificar-se com o gênero que foi lhe designado ao nascimento é a forma correta de se comportar e existir. Ou seja, “como as coisas devem ser”.

Mesmo após a Revolta de Stonewall em 1969, acontecimento que deu início à luta pelos direitos LGBTQIAPN+ nos Estados Unidos e no mundo, a representação desse grupo na mídia permaneceu completamente negativa por muito tempo. Vinte e um anos depois, a homossexualidade ainda era considerada doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS). E, somente em 2019, a transexualidade deixou de constar na CID.

Isto é, da violência à discriminação velada, muitos comportamentos e expressões foram massivamente enraizados em nosso inconsciente coletivo, sendo necessário questioná-los para que deixem de existir. Para algumas pessoas, o respeito e a empatia são virtudes intrínsecas. Mas, felizmente, tais características também podem ser desenvolvidas quando se tem interesse e boa vontade.

Na prática, aprender sobre a história da comunidade LGBTQIAPN+, seus desafios e suas conquistas, é uma das formas mais eficazes de desconstruir o preconceito. Isso porque fica muito mais difícil colocar-se no lugar do outro quando não se sabe que lugar é esse.

Contudo, também adianta pouco recorrer a fontes de conteúdo que não apresentam a perspectiva de quem pertence à comunidade e conhece por experiência quais são as dificuldades diárias de se viver em uma sociedade heterocisnormativa. Por esse motivo, nós selecionamos alguns livros, séries, filmes, documentários e reality shows com lugar de fala para vocês:

Demonstre apoio

Quando mergulhar nos conteúdos com representatividade LGBTQIAPN+, ficcionais ou não, você será apresentado a personagens que cumprem o papel de aliados. Mas para você já começar a aprender desde agora, nós vamos falar sobre algumas atitudes de apoio que devem ser adotadas no ambiente de trabalho.

Primeiramente, iniciaremos pelo mais básico: a adaptação de linguagem. Transexuais e travestis são pessoas que se identificam com um gênero diferente do que lhes foi designado ao nascer e, quase sempre, suas afirmações sociais passam pela retificação de seus nomes e pronomes

Isso significa que o certo é referir-se a mulheres trans por ‘Ela/Dela’ e a homens trans por ‘Ele/Dele’, em sua maioria, sendo o artigo definido correto para travestis sempre o feminino ‘A’. Porém, “quase sempre” e “maioria” são por definição concepções excludentes. Então, o ideal é sempre perguntar à pessoa como ela gostaria de ser tratada, pois a sua existência, com toda a sua individualidade, é tão válida quanto qualquer outra.

Inclusive, existem também pessoas não-bináries, gênero-fluído e intersexo, por exemplo, que talvez prefiram ser tratadas por pronomes neutros, que podem ser: ‘Elu/Delu’, ‘Ile/Dile’ ou ‘They/Them’ (original do inglês). Apesar de muita gente dizer que é difícil aprendê-los, nós sabemos que no fundo basta querer, não é mesmo?

Muitas vezes, o medo de errar causa um afastamento entre colegas, pelo silêncio ser o caminho de menor esforço. No entanto, o isolamento da pessoa LGBTQIAPN+ no ambiente de trabalho pode ser muito prejudicial à sua saúde mental, pois fica parecendo que é um problema ela ser como é. Aliados de verdade escolhem pedir desculpas quando são corrigidos nessas situações em vez de se afastarem.

Em segundo lugar, caso seja novato ou mais tímido, você pode expressar de forma não verbal a sua vontade de apoiar, para que seus colegas, funcionários, prestadores de serviço, clientes e/ou pacientes sintam-se seguros. Um exemplo é redecorando o ambiente da sua mesa, do seu escritório ou da sua clínica. Você também pode utilizar pins ou bottons com a bandeira LGBTQIAPN+; informar os seus pronomes no seu perfil do LinkedIn; e adaptar seus canais de comunicação (como formulários e e-mails) à linguagem neutra.

Oponha-se ativamente à LGBTfobia

Esta talvez seja a atitude mais importante à construção de um mercado de trabalho mais inclusivo. Mas, além da violência explícita, existem também as microagressões que devem ser combatidas ativamente. Fique atento às seguintes expressões:

  • Homossexualismo: o sufixo “-ismo” designa “intoxicação” pelo agente, cuja palavra complementa. A palavra correta é Homossexualidade, com o sufixo que expressa “estado”.
  • Opção sexual: por quem uma pessoa sente atração e/ou afeto não é uma questão de escolha. O termo correto é Orientação Sexual.
  • Mudança de sexo: pessoas transexuais passam por procedimentos cirúrgicos que as ajudam a afirmar o gênero com que se identificam e aos quais sempre pertenceram, mas não eram livres para expressar. O termo correto é: Redesignação Sexual.
  • Procedimento estético: cirurgias de afirmação de gênero não são estéticas, apesar de serem eletivas, pois a disforia causa dor e sofrimento à pessoa não-conforme.
  • Hermafrodita: este termo caiu em desuso devido à estigmatização social, sendo substituído por Intersexo.
  • Ideologia de gênero: rótulo utilizado para invisibilizar e politizar conhecimentos sociológicos, antropológicos, biológicos, psicológicos e científicos sobre a população LGBTQIAPN+.

Se você escutar alguém falando dessa forma em seu ambiente de trabalho, utilize os canais de compliance e/ou de denúncia da sua empresa para reportar o acontecido. Caso estes meios de comunicação interna não existam, procure o RH ou, em empreendimentos menores, procure um responsável.

Infelizmente, nós sabemos que há a possibilidade de o indivíduo a ser denunciado ser um gerente, um supervisor ou até o dono da empresa. Mas, não se preocupe, pois ainda há o que se fazer de forma anônima. Desde 2019, a LGBTfobia é crime, inafiançável e imprescritível, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Você também pode optar por intervir de modo educativo, questionando o colega sobre o que ele disse e se ele sabe que tal fala é preconceituosa. Ser um aliado também é dar voz às pessoas que não são ouvidas e defendê-las em situações de discriminação.

Há outros vários comentários que devem ser evitados, mas aqui nós nos limitaremos aos mais comuns. Por exemplo, dizer que a pessoa “nem parece que nasceu menino/menina”, pois elas nunca foram assim, apesar de terem sido designadas.

Como você verá em suas pesquisas, a afirmação de gênero não precisa passar pelo âmbito biológico, com cirurgias e terapia hormonal, embora algumas pessoas optem por estes procedimentos para amenizar a sua disforia. Por fim, outro exemplo clássico de grosseira é perguntar ou mencionar o nome morto de uma pessoa trans.

Proponha campanhas e rodas de conversa

À comunidade LGBTQIAPN+, como para tantos outros grupos sociais minoritários, sentir-se representado nas campanhas de comunicação internas e/ou externas da empresa em que se trabalha é um grande passo rumo à inclusão. Nesse sentido, como aliado, você pode ser a pessoa que usa sua influência para propor conceitos com mais diversidade.

Realizar rodas de conversa é outra ótima proposta e que funciona em via dupla. Enquanto funcionários pertencentes à causa recebem a chance de partilhar suas histórias e sentirem-se acolhidos, os participantes cisgêneros e heterossexuais têm a oportunidade de ouvirem para compreender, examinando suas suposições prévias e praticando a autocrítica.

Na Microsoft, foi criado um grupo de diversidade em que os funcionários LGBTQIAPN+ têm a liberdade de criar atividades e workshops com o intuito de educar colegas que queiram ser aliados. Talvez, no lugar em que você trabalha também exista espaço para um projeto como este, mas ninguém ainda foi corajoso o suficiente para perguntar.

Em suma, ideias como esta também funcionam remotamente. Ou seja, podem fazer parte de uma nova cultura organizacional em empreendimentos que atuam somente por home office, acolhendo os colegas LGBTQIAPN+ que são ou já foram descriminados durante reuniões em videochamada, no grupo do WhatsApp, etc.

Contrate pessoas LGBTQIAPN+

Este tópico é para os empreendedores de plantão. Ser um aliado é contratar pessoas LGBTQIAPN+ por conhecer o histórico de exclusão deste grupo e saber que, em muitos casos, a falta de experiências anteriores em seu currículo é resultado do preconceito familiar e social.

Seja na área de Saúde, Exatas ou Humanidades, profissionais competentes podem ser desenvolvidos internamente, adquirindo as habilidades que lhes faltam enquanto já estão empregados. Isso significa criar um processo seletivo mais focado em soft skills que, não por acaso, são o futuro da Indústria 4.0.

Além disso, por mais que uma clínica odontológica, por exemplo, adapte seus canais para atender pacientes LGBTQIAPN+ com respeito, a diversidade precisa estar da porta para dentro para que ocorra uma mudança sistêmica na sociedade. Não se esqueça dos números que trouxemos logo na introdução.

Por um mercado de trabalho inclusivo e acolhedor

Conforme fui crescendo, eu comecei a sentir raiva. E não apenas do racismo e da injustiça, mas das pessoas que não diziam nada. [...] Não demorou muito para eu perceber que situações de injustiça racial não eram o único momento em que as pessoas da maioria ficavam em silêncio. - Nita Mosby Tyler

O trecho acima foi retirado e traduzido de uma palestra do TED Talk em que a ativista Nita Mosby Tyler fala abertamente sobre o poder que os aliados têm para criar um mundo mais justo. Hoje é o primeiro dia do Mês do Orgulho LGBTQIAP+ e este artigo faz parte do movimento mundial pela inclusão.

Mas, para que o mercado de trabalho um dia seja realmente acolhedor, é preciso que ações sejam tomadas todos os dias e por todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero e orientação sexual. Se você aprendeu alguma coisa com as nossas dicas, compartilhe esse conteúdo com amigos e familiares. Faça parte da mudança!

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