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Intersexo: o que significa ser uma pessoa dentro desse espectro

Saiba de uma vez por todas o que significa ser intersexo para tornar-se um médico que pratica a Medicina humanizada e inclusiva.

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Você sabia que até a 5ª semana de vida o embrião tem potencial para formar órgãos femininos, masculinos e, portanto, também intersexo? Apenas a partir da 6ª semana surgem as estruturais gonodais que se desenvolverão para tubas e útero e/ou dutos deferentes, vesículas seminais e epidídimos.

“Ah, mas o que define o sexo do feto é o espermatozoide que carrega ou o cromossomo X ou o Y”. Sim, ele faz isso, mas um artigo publicado na Revista Nature, intitulado O Sexo Redefinido, trouxe observações importantes à genética moderna, colocando em cheque o padrão binário XX/XY.

Isso aconteceu, pois foram identificadas mutações de certos genes envolvidos no desenvolvimento do ser humano. Tais alterações são apontadas por trazer modificações sutis à anatomia e à fisiologia sexual.

A seguir, você vai entender mais sobre essas alterações e o que pode fazer delas uma condição de intersexualidade. Confira!

O que é a intersexualidade?

Intersexualidade é um termo utilizado para nomear uma das condições de quem passou por um desenvolvimento sexual diferente (DDS) do que é esperado biologicamente. Lembrando que, isso não tem nada a ver com identidade de gênero e nem se limita à formação das genitálias.

Via de regra, espera-se que um feto com vagina desenvolva também útero e ovários e que seu organismo seja capaz de produzir estrogênio e progesterona. Essa mesma expectativa acontece para o feto que aparece no ultrassom com um pênis formado, isto é, que ele tenha uma próstata, testículos e que seja capaz de produzir testosterona naturalmente.

Quando essas possibilidades, dentre outras, não acontecem, a pessoa é declarada intersexo – o que pode acontecer em várias fases da vida, do nascimento à fase adulta, sendo mais comum na puberdade. Segundo dados da Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), entre 0,5% e 1,7% da população mundial apresentam características intersexuais.

Além das alterações anatômicas e hormonais, a intersexualidade também pode estar vinculada a alterações genéticas. Por exemplo, uma pessoa que possui uma vagina pode ter o código genético XY, ou seja, um cromossomo feminino e outro masculino.

Leia também: Como a Medicina contribuiu para a luta por direitos LGBTQIAPN+

Condições que são consideradas intersexo

Síndrome de Klinefelter

A síndrome de Klinefelter é uma condição que se caracteriza pela presença de um cromossomo X extra. A síndrome afeta apenas pessoas do sexo masculino, sendo seu código genético XXY.

Seu diagnóstico acontece somente quando a pessoa já é adolescente ou passou pela puberdade, pois, antes disso, suas características não são visíveis. Nem intraútero, no nascimento ou em qualquer idade durante a infância.

Entre as principais características, estão:

  • Testículos e pênis pequenos
  • Desenvolvimento da mama;
  • Acúmulo de gordura no quadril;
  • Poucos pelos faciais;
  • Voz mais aguda;
  • Alta estatura;
  • Pernas e braços alongados;
  • Infertilidade;
  • Dificuldade de aprendizagem.

Embora não seja reversível, é possível fazer tratamento com testosterona - hormônio que é produzido em maiores quantidade por homens cisgênero. É assim que há uma melhora no desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, como massa muscular, pelos pelo corpo e engrossamento da voz.

Síndrome de Turner

A síndrome de Turner é mais rara do que a citada anteriormente e, em oposição, acomete as pessoas do sexo feminino. Sua alteração também cromossômica se dá pela anormalidade de um dos X presentes no par XX, desde a ausência parcial dele até a falta completa.

Outra diferença é que seu diagnóstico pode acontecer na infância, pois certos sintomas tornam-se visíveis conforme o bebê intersexo vai crescendo ou até ao nascimento, como é o caso do inchaço das mãos e dos pés. São eles:

  • Baixa estatura para a idade;
  • Pescoço encurtado e largo;
  • Mandíbula recuada ou pequena;
  • Céu da boca alto e estreito;
  • Mais cabelo na nuca;
  • Orelhas baixas ou protuberantes;
  • Dedos das mãos e pés curtos;
  • Inchaço nas mãos e pés;
  • Mamilos mais espaçados;
  • Braços mais espaçados em relação ao corpo;
  • Infertilidade;
  • Problemas na tireoide, no coração e nos rins.

Depois, o atraso da puberdade torna-se um sinal importante, que pode levar a pessoa ou seus pais a marcar uma consulta com um médico especialista. Mais uma vez, estamos falando de uma condição intersexo que não tem cura, mas que pode ser tratada com reposição hormonal.

Síndrome de Rokitansky

Essa é a mais rara das três. A síndrome de Rokitansky caracteriza-se pela ausência ou desenvolvimento insuficiente dos órgãos genitais internos em pessoas que possuem vagina. Normalmente, seu útero possui alterações que o impedem seu pleno funcionamento e seu canal vaginal é encurtado, medindo no máximo dois centímetros.

Fenotipicamente, não há qualquer alteração observável. Assim, o diagnóstico acontece na puberdade, devido à ausência de menstruação, ou quando o indivíduo intersexo inicia sua vida sexual com penetração. Nesse momento, sente-se dores cuja investigação levam à identificação da síndrome.

Sua ocorrência também se deve a uma modificação cromossômica. Porém, o gene atrelado às mudanças corporais descritas ainda não foi identificado.

Embora não seja necessário para que a pessoa mantenha uma boa saúde, a reconstrução do canal vaginal pode ser feita por um processo de dilatação ou por cirurgia, caso a pessoa queira. Se o procedimento interferir na uretra, causando quadros de incontinência urinária, o paciente pode reverter o problema por meio de fisioterapia.  

É importante saber também que há dois tipos de síndrome Rokitansky:

  • Tipo I: causa alterações apenas no desenvolvimento de partes do sistema reprodutor.
  • Tipo II: acarreta também malformações em outros sistemas, como o urinário e o esquelético, com a ausência de um dos rins, escoliose e deformações na coluna.

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Por que a palavra intersexo foi criada?

Talvez você estivesse esperando por essa explicação lá atrás, nos primeiros parágrafos. Mas vai perceber que conhecer essa diversidade de condições intersexo deixa claro o porquê dessa mudança de nomenclatura para substituir a palavra “hermafrodita”.

Quando criado, o termo hermafrodita servia para identificar pessoas que possuíam tão somente órgãos sexuais de ambos os sexos. Ou seja, não englobava qualquer uma das síndromes apresentadas anteriormente, entre tantas outras que estão presentes no guarda-chuva da intersexualidade.

Além disso, essa condição genital com características masculinas e femininas não é mais tratada como uma anomalia, mas como uma atipia. Essa mudança é significativa, pois ser atípico faz com que essa seja apenas uma das várias possibilidades para a humanidade, o que não acontece quando nos orientamos apenas pelo sistema binário na Medicina.

Por que essa quebra do status quo médico é importante? Para garantir a integridade física das pessoas intersexo que, por vezes, sofrem intervenções irreversíveis ao nascerem e ao longo da vida por decisão de seus pais.

A remoção de um órgão genital em uma pessoa que nasceu com ambos, por exemplo, pode causar distúrbios mentais, como a depressão, e, mais tarde, sofrimento por disforia de gênero. Assim, apenas o próprio indivíduo deve ter o controle sobre sua intersexualidade.

É isso que defende a ONU e outras entidades de saúde ou sociais, especialmente aquelas que advogam pelos direitos humanos e LGBTQIAPN+. Dessa forma, protege-se a liberdade para escolher pela modificação ou não de seu corpo após alcançar a maioridade.

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