Como a Medicina contribuiu para a luta por direitos LGBTQIAPN+
Para comemorar o Mês do Orgulho também orgulhoso em ser médico, confira alguns “momentos históricos” onde a Medicina defendeu os direitos LGBTQIAPN+.
Já falamos aqui sobre como várias entidades vinculadas à Medicina negligenciaram o direito das pessoas LGBTQIAPN+ à saúde ao longo da História. Por exemplo, apontamos como a heterocisnormatividade foi reforçada pela patologização da orientação sexual e da identidade de gênero pela Organização Mundial da Saúde (OMS) até 1990 e 2017, respectivamente.
Revelamos também como isso ainda acontece devido à falta de uma abordagem inclusiva na própria graduação na disciplina de Saúde da Mulher. Atualmente, os livros e demais materiais oferecidos em sala de aula não falam sobre as particularidades dos corpos das mulheres trans.
Mas nenhuma entidade sanitária é dona da ciência. Por esse motivo, esse ano será diferente. Para comemorar o Mês do Orgulho também orgulhoso em ser médico, selecionamos alguns “momentos” onde a Medicina foi decisiva na luta pelos direitos LGBTQIAPN+. Bora conferir?
Lutando contra o nazismo com Magnus Hirschfeld
Além dos judeus, o projeto de extermínio nazista também perseguiu pessoas pretas, ciganos e membros da comunidade LGBTQIAPN+ de forma sistemática. Em janeiro de 2023, inclusive, o parlamento alemão prestou homenagem especial para essas vítimas, que contou com depoimentos de sobreviventes.
Mais de 50 mil homens gays foram presos sob o parágrafo 175 do Código Penal da Alemanha durante o regime nazista, dos quais 15 mil foram enviados a campos de concentração. Em vez da faixa com a estrela de Davi, os prisioneiros eram obrigados a utilizar um triângulo cor-de-rosa em seus uniformes.
No entanto, o homem gay e judeu que desafiou Hitler não viveu para ver isso acontecer. Magnus Hirschfeld, considerado pelo próprio Führer uma ameaça, foi exilado em Paris e morreu em 1935, deixando um legado para a resistência alemã.
Ainda no século 19, como médico e sexólogo, ele usou sua voz para divulgar provas científicas de que a homossexualidade tratava-se de um fenômeno natural. Em 1896, Hirschfeld publicou um panfleto intitulado: Safo e Sócrates ou como explicar o amor entre homens e mulheres por pessoas do mesmo sexo.
O médico também pertencia à comunidade e ultrapassou o campo da ciência em suas ações na luta pelos direitos LGBTQIAPN+. Ele inaugurou espaços de estudo e de orientação, onde acolheu e atendeu pacientes homossexuais e transexuais.
Leitura obrigatória: Como a educação sexual para crianças e jovens contribui com a Medicina
Desmistificando a homossexulidade como patologia com Robert Spitzer
Nunca houve embasamento científico para a inclusão da homossexualidade como transtorno no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). Mas precisou que um psiquiatra fizesse frente às autoridades da época para que o cenário mudasse.
Robert Spitzer foi o médico responsável por desenvolver um método empírico em torno das doenças mentais para além da teoria tradicional. Antes da criação do Manual, o diagnóstico de distúrbios como bipolaridade e depressão podia variar entre os especialistas.
Mas a situação era bem pior do que isso. Ao serem tidas como pessoas doentes, gays, lésbicas, bisexuais e transgêneros podiam ser insitucionalizadas contra suas vontades, onde eram submetidas a lobotomias, castrações químicas, entre outros métodos de tortura.
Em uma publicação, o jornal New York Times descreveu Spitzer como o psiquiatra mais influente de sua época. Era 1973 quando a homossexualidade foi removida da lista de doenças mentais, mas somente em 2012 a comunidade LGBTQIAPN+ pôde respirar aliviada. Enfim, a transexualidade também já não constava no DSM.
Isso aconteceu um ano após Spitzer pedir desculpas pelo erro mais grave de sua carreira. Em 2001, ele havia publicado um estudo em que apoiava as chamadas “terapias de conversão”.
Vale lembrar também que, o discurso proferido pelo Doutor Anônimo em 1972 foi crucial para mudar o posicionamento dos dirigentes da Associação Americana de Psiquiatria (APA). Anos depois, sua identidade foi autorevelada, e o mundo descobriu que a figura tratava-se de John Ercel Fryer - médico e homossexual.
Realizando cirurgias mesmo quando era ilegal
Christine Jorgensen é considerada uma das primeiras mulheres trans a fazer terapia hormonal e cirurgia para afirmação de gênero. Este fato por si só seria uma fato histórico, mas o contexto de sua época é ainda mais revelador.
A atriz começou sua transição no começo dos anos 1950. No entanto, até 1962, todos os 50 estados americanos criminalizavam tanto a homossexualidade quanto a transexualidade, sendo a última lei abolida somente em 2003.
Como isso foi possível? Graças aos médicos da Johns Hopkins University, que implementaram os estudos sobre a transexualidade com a execução de procedimentos na universidade. Em 1978, a clínica da universidade estadunidense foi fechada, principalmente, por causa da divulgação de pesquisas transfóbicas. Sua reaberta aconteceu somente em 2016.
No Brasil, não foi diferente. Em seu livro “Viagem Solitária”, o psicólogo e escritor João Nery narra como foi a sua própria experiência em meio à Ditadura Militar.
Roberto Farina foi o médico que realizou sua cirurgia, como já havia feito tantas vezes em outros pacientes. Em 1978, porém, ele foi condenado em primeira instância a dois anos de reclusão sob alegação de ter infringido o artigo 129 do Código Penal Brasileiro. Ou seja, por “ofender a integridade ou saúde de outrem”.
Hoje, sabemos que suas ações em oposição à lei, na verdade, eram em prol de seus pacientes trans. Seu caso tomou proporção internacional à época e, não por acaso, uma médica do Johns Hopkins entrou em contato com o médico por carta.
Entenda mais sobre a anatomia dos corpos transexuais aqui.
Investigando a verdadeira origem da Aids para combater as fake news
Por muito tempo, circularam manchetes que traziam a epidemia do HIV como “vírus gay”. Em oposição a isso, cientistas do meio médico trabalharam incansavelmente para encontrar as verdadeiras respostas e proteger os direitos LGBTQIAPN+.
Foram eles que quebraram a associação preconceituosa que existia entre os casos e a orientação sexual das pessoas. Segundo a OMS, entre 1981 e 2000, mais de 12 milhões de pessoas morreram de Aids no mundo. Nos piores momentos, a doença matava cerca de 1.200 crianças por dia.
Além de pesquisarem sobre a origem do vírus, seu modo de transmissão e métodos preventivos, também houve esforços monumentais para desenvolver um tratamento eficaz. Este foi o pontapé para as soluções que existem hoje, onde pessoas soropositivas podem levar uma vida completamente normal.
Embora ainda não exista uma cura ou vacina para o HIV, são amplamente acessíveis os medicamentos como o PEP, utilizado após possível exposição ao vírus, e o PREP, que é tomado por precaução. Também são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) exames para o diagnóstico precoce da infeção.
E aí, gostou deste conteúdo? O Blog Graduação Afya está recheado de conteúdos inclusivos não só sobre a comunidade LGBTQIAPN+, mas também sobre outras minorias.
Leia também sobre saúde indígena e confira o artigo sobre como praticar uma Medicina antirracista.