Como o racismo estrutural dificulta o acesso à saúde no Brasil
Neste artigo, falaremos sobre os impactos dos racismos estrutural e institucional na saúde, para que você possa aprender sobre o assunto em sua complexidade. Boa leitura!
“Cerca de 20% da desigualdade que acontece ainda hoje em nosso país tem como fonte a escravidão”, afirma Humberto Laudares, sociólogo e especialista em políticas públicas. É isso que se denomina dívida histórica: em vez de serem ressarcidos pela escravidão, o povo liberto foi marginalizado, inclusive, no acesso à saúde.
O racismo estrutural, caracterizado por comportamentos individuais que acabam por se tornar uma convenção social, deu origem a outro tipo de racismo: o institucional. Quando abordamos o Sistema Único de Saúde (SUS) e as organizações que compõem o sistema suplementar, o que se vislumbra é o racismo institucional.
Isso porque são ambientes nos quais há muitas relações de poder, a começar pela existente entre médico e paciente, e onde as decisões tomadas afetam o coletivo. Em pleno Mês da Consciência Negra, como maior ecossistema de educação médica e healthtechs do país, nós não poderíamos nos ausentar desta discussão.
Neste artigo, falaremos sobre os impactos de ambos tipos de racismo na saúde da população preta brasileira, para que você possa aprender sobre este assunto em sua complexidade. Boa leitura!
Violência obstétrica e mortes maternas
Antes mesmo de nascerem, pessoas pretas já sofrem com o racismo, quando suas mães são violentadas durante o parto. Segundo uma pesquisa da Fiocruz, que levantou dados sobre as iniquidades raciais desde a atenção pré-natal até o nascimento do bebê, práticas que causam dor física ou psicológica têm mais chance de acontecer com essa parcela da população.
Os pesquisadores acompanharam mais de 23 mil gestantes e obtiveram conclusões alarmantes. Mais de 40% dos entrevistados receberam menos orientações sobre complicações no parto e 10,7% receberam menos anestesia durante o corte períneo.
Não à toa, há mais mortes maternas entre pessoas pretas do que brancas, e essa é uma grande. Quase 55% das gestantes que morrem no momento de dar à luz são gestantes pretas de 15 a 29 anos.
São várias negligências e maus tratos que condicionam as pessoas a buscarem menos ajuda quando precisam, para evitar situações constrangedoras. Cerca de 70% dos pacientes pretos não são bem atendidos nem orientados.
Além do tratamento de pior qualidade por preconceito, o racismo estrutural também implica em perdas no acesso às informações de saúde, que são essenciais para aumentar a expectativa de qualquer povo.
Em 2019, as taxas de evasão no ensino médio e de analfabetismo entre os pretos ainda eram bem maiores do que entre os brancos. Isso porque 64,78% das crianças e adolescentes que trabalham no Brasil são pretos e, sem tempo para estudar, acabam deixando de aprender conhecimentos básicos de prevenção e autocuidado.
Em suma, a marginalização social da população preta permanece ativa no século 21, gerando essas e outras injustiças que você conhecerá a seguir.
Pobreza e vulnerabilidade infantil
Com mãe ou sozinha, a criança preta nasce e já precisa encarar o fato de que suas chances de cair em vulnerabilidade social são maiores do que de seus semelhantes brancos. E isso afeta diretamente os índices de mortalidade infantil do país.
De acordo com dados da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), uma criança preta tem 25% mais risco de morrer antes mesmo de completar um ano de idade. Também são elas as com maior probabilidade de sofrer com a desnutrição (90%); a pobreza (70%); e falta de acesso à escola (30%).
A pobreza generalizada pelo racismo estrutural também é fator determinante quando o assunto são doenças evitáveis. Ou seja, enfermidades raras em ambientes com saneamento básico, boas condições de moradia e segurança alimentar.
Um artigo publicado recentemente revelou que as crianças indígenas têm 14 vezes mais chances de morrer por diarreia. O mesmo risco é 72% maior entre as crianças pretas em comparação às brancas.
Leia também: Qual é o papel do Direito no combate ao racismo no Brasil?
Menor expectativa de vida
Depois que crescem, a situação não fica muito melhor. Dados do Ministério da Saúde de 2014 apontam que 59% dos brasileiros que tinham tuberculose à época eram pretos, e um dos fatores relacionados ao adoecimento pelo bacilo são condições precárias de vida.
Outras doenças que são mais comuns na população preta são:
- Hipertensão arterial;
- Anemia falciforme;
- Diabetes tipo 2;
- Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD).
Ou seja, mesmo quando os fatores ambientais não são a causa do problema, os fatores econômicos e educacionais permanecem como desafios. Afinal, são um obstáculo para que as pessoas consigam tratamento às doenças hereditárias e genéticas mencionadas acima.
Se você duvida que este seja o problema, preste bastante atenção à seguinte informação: pesquisas mostram que os brancos adoecem mais, porém, são os pretos que mais morrem. Por que será?
Nós já mencionamos a esquiva que acontece para evitar sofrer racismo no sistema de saúde e o lado financeiro, mas existe ainda a questão geográfica. Enquanto os hospitais de alta complexidade ocupam as regiões nobres das cidades, 75% dos mais pobres são pretos que, em sua maioria, moram nas zonas periféricas.
Prejuízos ao bem-estar mental e emocional
Para ser completamente saudável é preciso buscar tanto bem-estar físico quanto mental e emocional. E o racismo afeta diretamente a saúde da população preta também nestas duas esferas.
Pesquisadores da Universidade do Texas descobriram que vítimas de discriminação racial estavam mais sujeitas a desenvolver dependência alcoólica e depressão. Isso porque a violência moral causa tanto ou até mais traumas do que a violência física, desencadeando transtornos mentais e distúrbios alimentares, por exemplo.
Segundo a Sociedade Brasileira de Psicologia, abusos psicológicos são muito nocivos porque condicionam por repetição o estado mental da pessoa, que acaba acreditando no que lhe dizem. E há dados que comprovam tal fato.
Entre 2012 e 2016, o índice de suicídio da população preta foi superior ao dos demais recortes étnicos, sendo engatilhados por diferentes tipos de racismo. Os dados foram coletados pelo Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social do Ministério da Saúde (DAGEP/MS).
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O que médicos podem fazer para combater o racismo na saúde
Desde 2009, o Ministério da Saúde determina diretrizes e objetivos por meio da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra a fim de combater o racismo institucional dentro do SUS. Mas, como Angela Davis ensinou: em uma sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.
A verdadeira mudança só acontecerá quando a maioria dos médicos tomar para si a responsabilidade de combater as disparidades enfrentadas pela população preta no acesso à saúde.
Por esse motivo, reservamos esta parte do texto para deixar algumas orientações importantes para você já aplicar durante seu internato e o ciclo de clínica-escola da faculdade.
Tendo em vista o gap educacional dessa população, educar seus pacientes pretos durante as consultas é uma forma de garantir que eles estejam informados sobre como cuidar melhor de sua saúde e a perceber de pronto os sinais de que precisa buscar ajuda especializada. Porém, isso também precisa ser feito com consciência.
Buscar compreender melhor a questão racial brasileira e perguntar sempre de igual para igual sobre as condições de vida da pessoa são as duas únicas formas de orientá-la de forma tangível.
Vamos a um exemplo para esclarecer: não adianta sugerir receitas, alimentos e rotinas de exercícios físicos que somente são acessíveis para quem tem renda mais alta, caso não seja a realidade do seu paciente. Com boa vontade e viés antirracista, encontrar alternativas fica mais fácil.
Como vimos antes, também existem doenças que acometem mais à população preta. Portanto, é preciso estar ciente quanto às morbimortalidades neste grupo para que tanto a prevenção quanto o diagnóstico sejam assertivos, aumentando sua expectativa de vida.
Por fim, não custa nada falar o óbvio. Denunciar casos de crime de racismo e opor-se a medidas que venham agravar o cenário de inequidade entre brancos e pretos na saúde também são formas de combater o racismo estrutural e de cumprir seu dever como cidadão.
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