ENEM e Vestibular

Saltburn: como o filme explica os conceitos sobre classes sociais

Em que a teoria de Pierre Bourdieu se embasa e qual é a explicação de Saltburn para ela? Entenda neste artigo!

7
minutos de leitura

É sabido que Matrix é uma abordagem do mito da caverna de Platão e da obra Simulação e Simulacros do filósofo Jean Baudrillard. Assim como, que Clube da Luta traz luz sobre a filosofia de Nietszche em relação ao niilismo e ao übermensch. Agora, Saltburn explica os conceitos sobre classes sociais.

Este é o nome do novo longa de Emerald Fennel – roteirista e diretora vencedora do Oscar em 2021. Eletrizante, obsceno e esteticamente belo, este filme com certeza lhe causou certa repulsa.

Mas, acima de tudo, ele é instigante. Talvez seja por isso que você está aqui, depois de pesquisar “a explicação de Saltburn sobre as classes sociais”. Felizmente, você encontrou a resposta.

Atenção! Contém spoilers sobre a obra.

Qual a história de “Saltburn”?

O enredo de "Saltburn" se desenrola com a chegada de Oliver Quick à prestigiosa Universidade de Oxford em 2006. Jovem, tímido e bolsista, ele rapidamente se depara com as barreiras sociais e econômicas que separam o seu mundo do universo de seus colegas privilegiados.

Essa disparidade atinge seu ápice quando ele conhece Felix, um rapaz carismático cuja família reside em Saltburn – uma mansão que mais se assemelha a um castelo. É para lá que o caçula dos Catton leva seu mais novo amigo para passar as férias de verão em um ato de solidariedade.

Embora tentem nos convencer de que sim, a recepção de Oliver não é remotamente carismática. Observando-o do alto de sua soberba, todos buscam constrangê-lo quando não estão tecendo comentários pelas suas costas. Assim, sentimos pena pelo garoto que, aos poucos, também tem vários de seus segredos revelados.

Tudo em Saltburn é extravagante de propósito. A decoração, os jardins, as refeições, a fatídica festa. O filme explora de maneira intensa e satírica essa estranheza repleta de inveja que Oliver, representando a classe média, sente pelo estilo de vida de Felix – a classe mais abastada.

Relembre trechos do filme a partir do trailer a seguir!

Karl Marx e o início da teoria

Duas classes sociais constituem a sociedade capitalista na visão de Marx: a burguesia e o proletariado. O que difere uma da outra? A detenção do poder sobre os meios de produção, a partir dos quais o capital é gerado, podendo ser acumulado ou repartido.

Em resumo, alguns meios de produção são: as fábricas, as indústrias, as fazendas e todas as máquinas e ferramentas presentes em cada uma delas.  Os proletários, ao não serem proprietários de nada disso, precisam vender sua força de trabalho para conquistarem seu sustento.

Há, porém, um questionamento: por que uns são burgueses e outros não? Visto que a detenção dos meios de produção cria relações de poder, uns tornam-se “privilegiados” em relação aos demais. Ou seja, segundo Marx, a sociedade capitalista é intrinsecamente injusta.

É para conquistar essa justiça que o filósofo incentiva a luta de classes – que não deve existir somente onde há capitalismo. Vamos lembrar aqui de que todas as sociedades em que havia escravatura antes da Revolução Industrial e durante o Feudalismo também dividiam as pessoas por suas posses.

Como Bourdieau ampliou a ideia do capital?

Pierre Bourdieu foi o sociólogo responsável por transformar a teoria marxista de classes para além do escopo econômico, onde encontramos a inspiração de Fennel para seu filme. Saltburn explica as classes sociais a partir dos quatro conceitos de capital concebidos por ele.

“Capital” é um termo de origem latina, que remete à ideia de “comando”. Assim, para Bourdieau, existem o capital cultural, o capital social e o capital simbólico, que complementam a ideia do acúmulo de riquezas revelado por Marx.

Segundo sua teoria, cada um em sua particularidade serve para manter a hierarquia da sociedade vigente, que é sua proprietária. Funciona mais ou menos assim: se há possibilidade de usá-lo para exercer poder sobre a classe inferior, trata-se de um tipo de capital.

Logo, quanto mais tipos de capital se tem, mais poderoso se é. Agora, chegou o momento de você decifrar com a gente como a visionária Emerald Fennel incutiu os quatro tipos de capital na família Catton.

Saltburn, as classes sociais e os 4 tipos de capital

Capital Econômico

Ele é a soma de todos os recursos materiais da família Catton. A mansão, seus carros, suas estátuas, absolutamente tudo que é concreto, um patrimônio, e possui valor de venda.

Por que valor de venda? Pois caso seja realizada, haverá a possibilidade de seus proprietários expandirem sua capacidade de produção, comprando mais meios ou buscando outros privilégios negociáveis.

Por exemplo, quando Felix apresenta a avó para Oliver com um quadro na parede, podemos perceber o que costuma acontecer na vida real. Uma mansão como Saltburn não é conquistada com o trabalho de uma vida, mas herdada ao longo de gerações.

Segundo a teoria Marxista, não há espaço para heranças em uma sociedade justa. Logo, o falecimento do proprietário culminaria na entrega de seus bens ao estado.

Obviamente, nenhum diálogo sobre dificuldades financeiras ou cortes de gastos acontece durante o filme. Também não fica claro qual é a profissão de qualquer um da família Catton, nem sequer dos pais, ou mesmo se eles trabalham para manter o que esbanjam ter.

Capital Cultural

Felix, seus amigos e o primo Farleigh não demonstram qualquer valor intelectual notável para estudarem em Oxford. Em contrapartida, Oliver e seu outro colega da classe média possuem suas próprias cenas onde identificamos sua inteligência ímpar.

O capital cultural adquirido pela família Catton provém de seu capital econômico. Logo, mesmo que seus descendentes não sejam exímios alunos, eles têm espaço em uma das universidades mais renomadas do mundo.

Isso não significa, porém, que Felix e Farleigh não sejam inteligentes e não possam usufruir de seus estudos. Muito pelo contrário: o capital cultural é exatamente sobre os recursos intelectuais adquiridos e necessários pelo seu potencial para influenciar a sociedade.

Na própria Saltburn, há mais vestígios disso. São eles: as esculturas gregas pelo jardim, as obras de arte de pintores renomados penduradas nas paredes da mansão e a obra completa de Shakespeare em edições de luxo.

Mas o capital não se trata do livro físico das Tragédias, por exemplo. Mas sim do conhecimento que pode-se absorver a partir da leitura.

Outra evidência do capital cultural da família Catton dá-se ao longo de uma cena em que Farleigh busca oprimir Oliver com seu conhecimento em detalhes sobre quem foi rei Ricardo III. Sua explicação supera o que a classe média aprende na escola, numa demonstração de poder da classe mais abastada.

Capital social

A gente sempre fala sobre a importância dele por aqui, mas com outro nome: networking. Desde o início de Saltburn, vemos como Fennel explica o capital social e a diferença de classes sociais ao colocar Oliver sozinho, enquanto Felix possui vários amigos.

Ele está sozinho porque raramente uma pessoa de sua classe social consegue entrar em Oxford. Ele não conhece ninguém, pois a maioria dos estudantes frequenta os mesmos ambientes fora dali há anos também.

Além disso, embora o mentor dele seja o mesmo de Farleigh, as interações mantidas com um e outro são muito diferentes. O professor da universidade explica o quanto é ligado à família Catton com prazer minutos, após esnobar a cidade em que Oliver nasceu, afirmando não conhecê-la.

Um detalhe? Oliver foi pontual e estava lá para falar sobre seus estudos. Farleigh chega 20 minutos atrasado e sem demonstrar qualquer respeito à atividade que deveriam fazer na mentoria.

Capital simbólico

Prestígio e notabilidade. Por que o sobrenome Catton faz tantas portas se abrirem aos seus detentores? Pela soma de todos os demais capitais mencionados antes, o que é exatamente a definição de Bourdieu.

É como uma marca de luxo. O nome em si é apenas um símbolo, por isso a denominação “capital simbólico”.

Há também a perspectiva do que é senso comum dentro da bolha aristocrata. Oliver não conhece as regras de etiqueta das famílias Catton, e acaba sendo constrangido no café da manhã ao fazer um pedido ao mordomo em vez de servir-se no buffet.

Títulos, protocolos, carisma, beleza – que é o principal capital simbólico de Felix. Tudo isso compõe uma imagem que não existem em nenhum outro lugar além da mente das pessoas, apesar de exercer profundo poder na sociedade.

E aí, gostou deste conteúdo? Navegue pelo Blog Graduação para encontrar outras fontes de ideias para você conseguir levar a interdisciplinaridade para a sua redação no Enem!