Aborto legal e o papel do Direito na proteção à infância
Conheça os mecanismos que existem para proteger crianças e adolescentes no Brasil. Quem sabe esta não é a causa que vai inspirar a sua carreira no Direito?
No dia 20 de junho, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina informou que trabalharia pela proteção dos direitos da criança que foi impedida pela Justiça de realizar um aborto legal após ser estuprada. Dias depois, o procedimento foi realizado, mas ainda há investigações em curso quanto às decisões que foram tomadas pela juíza e pela promotora responsáveis pelo caso.
Em 2020, outra menina, grávida aos 10 anos após ser violentada pelo tio, também precisou de uma autorização judicial para que pudesse interromper a gestação. Entretanto, segundo a legislação brasileira, tal exigência para realização do abortamento não é necessária e, na prática, apenas acarreta na exposição da vítima a mais constrangimento.
Neste artigo, abordamos alguns mecanismos legais que existem no Brasil para que os profissionais do Direito possam proteger crianças e adolescentes, a partir da ótica do caso mencionado acima. Depois de ler até o fim, você terá uma visão melhor sobre o que aconteceu. Quem sabe esta não é a causa que vai inspirar a sua futura carreira?
Estatuto da Criança e do Adolescente
Publicado em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) funciona como uma Constituição, na qual constam leis brasileiras próprias e os princípios aprovados na Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU). Este documento, que no Brasil prevê às pessoas com idade dentro dessas faixas etárias direitos inalienáveis, dispõe também sobre seus deveres como cidadãos.
Antes do ECA, o ordenamento jurídico estava diretamente alinhado à cultura do país, onde crianças e adolescentes não eram respeitados como parte integrante da população. Excluídos da condição de sujeitos de direitos, eles passaram muito tempo sob as regras do Código do Menor, criado durante a Ditadura Militar, cujo único propósito era vigiar crianças e adolescentes e punir os que viessem a cometer quaisquer crimes.
Um exemplo claro de como crianças e adolescentes eram negligenciados pelo Estado era a não configuração da violência parental ou familiar como caso de tortura. Apesar de o Código Penal brasileiro de 1940 já incidir sobre todos os tipos de agressão entre seres humanos, esta proteção não valia para pessoas com até 18 anos de idade. Em 2014, a Lei Menino Bernardo foi aprovada, alterando o ECA e, finalmente, proibindo “o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante como forma de correção”.
Outra grande mudança e outro foi a priorização da convivência familiar pelo Estatuto. Sem isso em vista, a decisão mais comum de juízes e juízas era pela institucionalização de crianças e adolescentes em abrigos, orfanatos ou na antiga Febem, onde as chances de ressocialização eram muito reduzidas.
Desde o início, o ECA também faz frente ao trabalho infantil que, antes, era legal a partir dos 14 anos, o que deixava estes cidadãos expostos à exploração de sua mão de obra. De 2004 a 2015, o trabalho infantil caiu pela metade no Brasil: de 5,3 milhões para 2,7 milhões, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Junto a isso, a educação tornou-se número um na lista de direitos de crianças e adolescentes e, assim, transformou o cenário do analfabetismo no país. Entre 1990 e 2013, houve uma redução de quase 89% deste índice.
Lei da Interrupção da Gravidez e Código Penal
Porém, o ECA não legisla sobre a questão do aborto legal. Inclusive, esta palavra não é sequer citada no documento. O direito à interrupção da gravidez quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e quando a gravidez resulta de um estupro é resguardado pela Lei da Interrupção da Gravidez, presente no Código Penal desde 1940. Também tem sido permitido o abortamento de feto anencefálico, mas via autorização do Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve um estupro a cada nove minutos no país em 2021. Visto que o Ministério da Saúde estabelece que a adolescência é o período de 15 a 19 anos de idade, quase 61% destes estupros foram contra crianças. Em 2020, já haviam sido realizados por dia ao menos seis abortos em meninas de 10 a 14 anos no Brasil.
Além disso, corpos infantojuvenis são menos preparados para passar por uma gestação de nove meses. Existe um maior risco de:
- Deficiência nutricional por descuido e/ou restrições financeiras, causadas pela discriminação social e familiar;
- Pré-eclâmpsia e de eclâmpsia, sendo a primeira uma piora de hipertensão preexistente, que é acompanhada de um excesso de proteína na urina durante a 20ª semana, e a segunda são as convulsões;
- Síndrome de HELLP, que é definida pela presença de hemólise, elevação das enzimas hepáticas e plaquetopenia durante a gravidez;
- Rupturas uterinas, com sequelas irreversíveis, e até morte.
Ou seja, em adição ao fato de que crianças e adolescentes menores de 18 anos não têm idade legal para consentir com relações sexuais, a interrupção da gravidez nestes casos também é validada pelo alto risco à saúde da gestante.
Lei da Escuta Protegida
Em 2017, uma lei complementar em proteção a estes cidadãos foi aprovada, alterando novamente o ECA. A Lei 13.431 estabelece que crianças vítimas de violência devem ser ouvidas por meio de escuta especializada ou de depoimento especial. Embora uma autorização judicial não seja necessária para a prática do aborto legal, algumas pessoas têm seus direitos duplamente violados ao serem expostas a audiências despreparadas para oferecer o devido acolhimento.
De acordo com o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (- SGDCA), a escuta especializada caracteriza-se como um procedimento de entrevista, que somente pode ser realizado por: profissionais da educação e da saúde; conselhos tutelares; serviços de assistência social, entre outros. Já ao depoimento especial, perante a autoridade policial ou judiciária, fica imposta a regra para que seja realizado em ambiente livre de constrangimentos e que garanta a privacidade das vítimas ou das testemunhas.
Proteção à infância e à adolescência
Como você pôde ver, os mecanismos que garantem direitos humanos à crianças e adolescentes no Brasil existem há muito tempo e, felizmente, estão em constante reformulação para manterem-se atualizados em relação às demandas sociais de cada época. E a importância de seu conhecimento e divulgação aviva-se ainda mais quando eventos traumáticos vêm à tona.
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