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Desafios da comunidade LGBTQIAP+ no acesso a cuidados paliativos

Como futuro médico, você precisa estar por dentro dos desafios enfrentados pela comunidade LGBTQIAP+ no acesso a cuidados paliativos. Então, boa leitura.

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A data de 28 de junho é reconhecida mundialmente como o Dia do Orgulho LGBTQIAP+ devido à Rebelião de Stonewall, que aconteceu nesta mesma data, no ano de 1969, contra a violência policial em Nova York. Tal evento tornou-se um marco na luta por direitos civis pela comunidade que até hoje sofre preconceitos, inclusive, no acesso à saúde.  

Apesar dos avanços ao longo da História, ainda há muito que ser feito para garantir equidade de tratamento às pessoas, independentemente de suas orientações sexuais e/ou identidades de gênero. Como pré-vestibulando e futuro estudante de Medicina, você precisa estar por dentro deste assunto. Então, boa leitura. 

População LGBTQIAP+ e a saúde

Recentemente, houve uma redução das disparidades em atenção à saúde de pessoas LGBTQIAP+. De certa forma, isso resultou de decisões jurídicas e sanitárias, a nível nacional e global, como a criminalização da LGBTfobia em 2019 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e a remoção da transexualidade da Cartilha Internacional de Doenças (CID) em 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Porém, quando comparamos o cenário das pessoas que pertencem a esta comunidade com o de quem é cisgênero e heterossexual, as minorias continuam enfrentando desigualdades. Isso porque, mesmo com a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, frequentemente ouvem-se relatos de que os médicos não estão preparados para atendê-las.

Segundo dados publicados pelo projeto irlandês The Rainbow, 20% das pessoas LGBTQIAP+ não saberiam onde acessar suporte ou aconselhamento em relação à sua saúde mental e bem-estar; 30% dos entrevistados não procurou ajuda quando esteve com depressão; e 40% nunca acessou centros de saúde sexual. Quando questionados sobre o porquê associado a não procura por serviços de saúde sexual, as principais respostas mencionaram:

  • Medo de sofrerem discriminação;
  • Experiências pessoais negativas;
  • Relutância em discutir questões com o médico.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) afirma que, apesar de o acesso à saúde ser garantido por lei, os desafios para que essa população seja assistida em sua integralidade se dão principalmente pelo estigma e por preconceito praticados pelos próprios profissionais da área. Muitas vezes, estes indivíduos são colocados em situação de risco, sendo desrespeitados em locais que deveriam acolher e preservar o bem-estar e a dignidade humana.

Assim, o cuidado direcionado a pacientes com doenças avançadas e progressivas, que necessitam da abordagem conduzida pelo Cuidado Paliativo (CP), é ainda mais desafiador. Sobretudo na fase final de suas vidas, período em que se torna mais evidente a situação de vulnerabilidade dessa população.

O que está previsto em Cuidado Paliativo

Por definição, os Cuidados Paliativos promovem a qualidade de vida de pacientes de todas as faixas etárias, assim como a de seus familiares, durante o enfrentamento a doenças que ameaçam a vida. Seu objetivo é prevenir e aliviar sofrimentos por meio de identificação precoce, avaliação correta de dor e outros sintomas ou problemas que sejam de ordem física, psicossocial ou espiritual. Na prática, o CP deve ser oferecido desde o diagnóstico e intensificado de acordo com a progressão do quadro do paciente.

Ainda são poucos os grupos de pesquisa que se debruçam em compreender a experiência do adoecimento e os desafios que a comunidade LGBTQIAP+ enfrenta quando acometidas por enfermidades progressivas, avançadas e durante a terceira idade. No entanto, há estudos que podem elucidar algumas questões e nos direcionar à construção de um sistema de saúde mais justo.

Abaixo nós elencamos os desafios que existem e certas recomendações para superá-los.

Desafios da comunidade LGBTQIAP+

  • Pessoas LGBTQ+ antecipam a possibilidade de discriminação e violência, procurando menos por atendimento médico e, consequentemente, quase não recebem Cuidados Paliativos;
  • Muitos serviços não atendem às necessidades espirituais de pessoas LGBTQIAP+ e de sua rede de apoio ao ofertar a abordagem do CP;
  • Existe uma sobrecarga maior entre os cuidadores de pessoas LGBTQIAP+, pois muitos pacientes têm seu primeiro atendimento quando já estão em fase terminal;
  • Desrespeito pela equipe de saúde que força a pessoa a declarar a sua orientação sexual e/ou identidade de gênero;
  • Discriminações sofridas anteriormente no acesso à saúde que dificultam a aceitação do cuidado na fase final de vida;
  • Barreiras financeiras, legais e institucionais que limitam a participação de seus parceiros ou de entes queridos na tomada de decisão;
  • Obstáculos legais para que maridos e esposas recebam benefícios sociais, gerando sofrimento adicional ao paciente;
  • Suposições falsas de que a morte está relacionada ao HIV;
  • O luto privado, ou seja, a dor de parceiros que não podem reconhecer publicamente o seu sofrimento e, portanto, não são apoiados ou não recebem os cuidados necessários;
  • Invisibilidade social de pessoas LGBTQIAP+ idosas;
  • Muitos pacientes optam por estar cercados de amigos e de grupos de apoio em vez de estarem com a família biológica, podendo gerar conflitos adicionais.

Dicas para melhoria do acesso ao Cuidado Paliativo

  • Treinamento e aquisição de competências constantes pelas equipes de saúde;
  • Promoção de um espaço seguro para que os pacientes expressem sua orientação e/ou identidade de gênero, preferências de cuidado e valores de forma espontânea;
  • Educação por meio da inclusão de debates sobre diversidade para que os profissionais possam praticar autorreflexão e análise crítica sobre seus preconceitos;
  • Treinamento para aquisição de habilidades de comunicação e de escuta qualificada para aprender palavras comuns à comunidade LGBTQIAP+ e linguagem neutra;
  • Prestação de assistência a partir do princípio do cuidado centrado na pessoa;
  • Reconhecimento e orientação quanto à existência de recursos e apoio à comunidade LGBTQIAP+;
  • Viabilização de um trabalho intersetorial, onde os serviços de saúde possam contar com grupos de apoio à comunidade LGBTQIAP+;
  • Permissão para que o paciente defina quem é a família e qual é o papel da família em relação aos seus cuidados e à tomada de decisão;
  • Estender os serviços de luto e apoio ao luto à família escolhida e a outras pessoas próximas ao paciente;
  • Promoção do cuidado espiritual, com respeito aos rituais desejados;
  • Promoção da continuidade de cuidado.

Medicina humanizada é medicina inclusiva

Em suma, os sistemas de saúde devem priorizar ações que visibilizem minorias e capacitem profissionais para que seja prestado atendimento de excelência à população LGBTQIAP+. Além disso, os envolvidos devem admitir que toda experiência do adoecimento é única e precisa ser acolhida de acordo com as suas mais diversas singularidades.

De modo proativo, os médicos também devem desde o início de sua formação buscar conhecer o histórico de luta dessa comunidade e rejeitar a heterocisnormatividade. Apenas a partir da discussão e da desconstrução do que é praticado hoje em desacordo com o respeito à dignidade humana será possível ofertar o Cuidado Paliativo às pessoas LGBTQIAP+ com equidade. 

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